segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Um feliz ano-novo com gosto de vento, que varre tudo que deve ser perdido, e trás o gosto das novas aventuras... FELIZ ANO TODO

O vento de Mauina


Meu pai contava uma história de uma lugar mágico onde existia plantas que davam vários tipos de frutas numa única árvore (tipo goiaba, carambola, maçã e jaca, num pé só ) e do tamanho da nossa fome. Onde os rios tinham água mineral para beber e as cacimbas ofereciam sucos de frutas e chocolates quentes. Lá podíamos colher sorvetes e algodão-doce nos galhos das árvores. Além disso havia muito sol e crianças brincando o tempo todo, sem falar que não existia escola ou trabalho. Esse lugar se chamava Marinel.
Marinel ocupava meu principal foco nos sonhos da infância. Era como a Pasárgada do Manuel Bandeira. E coincidentemente ambos – Bandeira e meu pai- eram pernambucanos. Vai ver que havia algo misturado na água pernambucana que faziam as pessoas sonhar com o impossível...o que já explicaria também essa minha mania de utopias...
Mas, dizem os antigos, que há umas três léguas de Marinel encontrava-se a cidade de Mauina, um pequeno povoado onde as casas não tinham telhados, pois nunca havia chovido no lugar. Somente os mais velhos que tinham registrado nas rugas suas andanças por outras paragens é que falavam da chuva. A geração mais nova pensava que a chuva era algo sobrenatural como fadas, gnomos, bruxas...
Em Mauina o calor durante o dia era intenso, e apesar de ser uma região de muitos coqueiros não havia vento nas árvores. As folhas ficavam estáticas como se pesassem toneladas cada uma.
Durante o dia os moradores cuidavam de se ajeitar com o calor do jeito que podiam, os homens quase todo dia ficavam por conta da agricultura de vez em quando se refrescavam nos inúmeros riachos e córregos da região. As mulheres entre o fogo das panelas alternavam as lavagens de roupa e as prosas embaixo das mangueiras para se refrescar . E as crianças ninguém sabia onde andavam mas sempre davam um jeito de tapear o calor visto que quase sempre chegavam com as roupas enlameadas.
Mas a cidade passava o dia em estado de alerta como ficamos quando estamos esperando chegar a hora de um encontro marcado.
Este encontro acontecia à noite por volta das oito horas quando vinha surgindo devagarzinho um vento que inebriava toda a cidade. Os moradores me falaram:
- Dona, o vento vem do mar que fica a uns quatrocentos quilômetros daqui e por isso tem esse cheiro de mistério e aventura.
O vento chegava se infiltrando nas casas que sempre estavam de portas abertas , ele sacudia o cabelo das mulheres e rodopiando ao redor dos corpos penetrava entre as pernas das moças levantando suas saias e as convidando para sair. Nesta hora começava um assobio como se estivesse chamando todos para uma festa e as pessoas que estavam engaioladas nas suas casas saiam à rua para conversar na calçada.
As crianças ao ver seus pais ocupados em alegres conversas nos terreiros aproveitavam para brincar de pique-esconde, cirandas de rodas ou qualquer outra brincadeira infantil.
E as moças e rapazes aproveitando a distração dos mais velhos, e justificando os hormônios em alta, sumiam nas asas do vento para os lugares mais escuramente distantes que podiam encontrar.
Às dez horas o vento atingia o clímax e se podia sentir um calor frio, gostoso, que percorria todo o corpo e várias conversas eram deixadas pela metade na ânsia de dar vazão a este calor.
Mas por volta de meia-noite o vento começava a dar adeus e ia embora devagarzinho, se despedindo de todos, assumindo o compromisso de voltar no dia seguinte trazendo o cheiro do mar e o gosto das seduções.
31/12/2007

OBS: Há uma lenda do pacífico sul que conta a estória de Maui um líder local, grande amante, que por uma paixão violenta por Hina duelou com o marido dela : Te Tuna, até a morte. E Maui ao ganhar o duelo o enterrou na esquina de sua casa. E neste local deu origem ao primeiro coqueiro do mundo. E Mauina é o amor dos dois.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Um beijo para você


Ainda não tinha colocado nenhuma imagem das Artes Plásticas no blog. Hoje senti vontade de me desfragmentar um pouco...

E se é a primeira imagem não podia deixar de ser um beijo.


Beijo Pré-Histórico. Areia, Barro e Acrílica sobre tela.
D 60cm. 2005

Um conto singular

O OVO EM PÉ

O desafio da semana na oficina literária foi: escrever um conto com o tema “ovo”. À princípio pensei: impossível alguém ter inspiração com um tema como este!
Aí você me responde:
- Clarice Lispector fez um conto incrível sobre o ovo e a galinha:
- Eu sei, e ao ler este magnífico conto eu tive a impressão que ela poderia fazer um romance de setecentas páginas sobre o tema. E seria incrível.
Mas aí quem responde sou eu: - eu não sou Clarice. Não tenho sua capacidade conotativa em relação a um tema destes, aliás, nem denotativa também. Traduzindo - não sei como começar escrever sobre: ovo.
Aí chegarei na oficina literária, segunda-feira à noite, sem o conto e já sei o que vai acontecer:
-A Rai vai entrar no tema através de uma análise discursiva sócio-cultural-filosófica sobre o ovo e nos brindará com mais um belo conto...a outra colega da oficina , Valéria, fará uma alusão imaginário-fantasiosa sobre um aspecto particular do ovo e vai arrasar. Eusanete nos recriará a temática com uma descrição pictórica e sairá um conto e tanto. Edson vai resgatar aspectos da sua vivência bucólica, com umas pitadas de sensibilidade poética ou humor e pimba: mais uma das suas belas histórias...
- E eu? nada, o nada absoluto...
- Eu já sei que sou uma das alunas que mais falta às aulas , além claro, e diretamente relacionado, uma das menos profícuas. Então como chegar na próxima aula sem o ovo?
Pullen, o mestre, me olhará com aquela cara: - mais uma vez ela não trás nada – balançando a cabeça. E eu sentindo esse olhar desapontado como um tapa na cara.
– Não, não. -Darei um jeito de “ gerar um ovo”.
– E segui assim a semana, com este grande dilema: que aspecto do ovo eu
poderia abordar?
Poderia fazer um apanhado do ovo no sentido orgânico, que gera organismos vivos. Ovo este, que já era encontrado na era mesozóica, com os dinossauros, e que continuam hoje com os répteis e as aves como: cobra, jacaré, tartaruga, galinha, cotovias, rouxinóis, etc, etc, etc. - Não!!! Isto pareceria uma aula de biologia.
Mas também a abordagem pode ser informal pensando no ovo como testículo, como sinônimo de: sacos, bagos. - Quem nunca ouviu falar a famosa frase: - levei um” chute nos ovos” e quase morri? Mas falar nisso seria falar nesta dor visceral que o homem sente quando leva uma pancada no lugar, e só. Não querendo desmerecer o ovo masculino mas, para mim, acabaria o tema.
Pensei em algo mais figurado e poético: ovo como origem, princípio, germe, causa primeira. Neste caso podemos fazer um paradigma do ovo como a origem da vida: quando o espermatozóide fecundando o óvulo gera o “ovo” que dará origem ao novo ser. E acontece isso há mais de 200 milhões de anos. E continua sendo um espetáculo que nos surpreende – alguns muito mais que deveriam – todos os dias:
- Grávida, eu, como? – Você está grávida mesmo? De mim?
E assim quando comecei a me aprofundar neste tema a poesia foi se desfazendo.
- Não, não é isso que quero.
- Acho que terei mais sorte fazendo uma abordagem mais particular:
Vamos tentar inserir Cristóvão Colombo, o famoso “descobridor” da América, com sua história de por um ovo em pé. A estória conta que estava Colombo em um jantar e um dos convidados indagou: “- Se você não tivesse chegado à América, ninguém mais poderia ter chegado lá? Colombo então o desafiou a equilibrar um ovo em pé. O convidado riu, dizendo que isso era impossível. Então Colombo, fez um pequeno buraco no ovo, batendo levemente o lado “bojudo” deste na mesa e o equilibrou. O convidado protestou:
- Ah, assim qualquer um consegue. E Colombo respondeu: “ Sim, qualquer um consegue, desde que tenha a idéia de como fazê-lo !”
Alguns historiadores disseram que o ovo de Colombo estava cozido. Outros que estava cru e ele balançou para quebrar a gema, que se precipitou, pesou e facilitou o equilíbrio. Há até os que dizem que esta estória não aconteceu.
- Mas o importante é que o ovo de Colombo persiste aí por séculos!
E foi quando estava investigando sobre o ovo em pé, de Colombo – na google, claro - é que descobri outra história muito mais atrativa para o conto: “O Dia do Ovo em Pé”
- Sério, é uma campanha internacional que começou com os chineses, numa cidade chamada Chunking, em que toda a população estava aliviando as tensões da guerra tentando equilibrar ovos no primeiro dia de primavera de 1945.
À partir desta história surgiram várias teorias da impossibilidade ou não, disto, até que depois de inúmeras reportagens, entre céticos e admiradores foi criado o “Dia do Equilíbrio” também chamado: “ O Dia do Ovo em Pé” que ocorre no dia 23 de setembro. No dia do Equinócio de Primavera.
A sabedoria chinesa afirma há muito tempo que o período que vai de uma hora antes até uma hora depois do equinócio, por uma questão gravitacional, os ovos ficam mais facilmente em pé, como em nenhuma outra época do ano.
Dizem alguns entendidos, principalmente nos sites esotéricos, que você poderá fazer isso em qualquer dia do ano, desde que esteja disposto a isso. E que demorará em média 2 minutos para conseguí-lo. As reportagens não esquecem de frisar que há aqueles que nunca conseguem, mas é raro.
Fiquei pensando nisso e resolvi fazer um teste, longe dos outros olhares para não ser motivo de gozação na família.
Peguei um ovo. Pensei na Clarice e no Colombo que começaram toda esta história. Pensei no ovo como a origem da vida e até do universo. Concentrei-me no Dia do Equilíbrio e nos chamados: “entrar em harmonia com os ciclos do universo, ou com a harmonia cósmica”.
Juntei toda minha energia para que esse ovo, personagem principal do meu conto, fonte maior da minha preocupação semanal, ficasse em pé. Meditei que ele seria o primeiro, a origem da minha experiência do ovo em pé... mas não consegui.
- Engano seu se acha que eu falhei e estou naquele percentual irrisório que não conseguiu colocar o ovo em pé.
Cancelei a experiência. Resolvi ficar com a dúvida e a possibilidade quântica- imaginária de eu conseguir ou não.
Vai que eu resolva fazer o livro de 700 páginas, que Clarice não teve tempo de escrever, e daí sim eu já tenho o meu ponto de partida...
03/12/2007

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Quem conta um conto...

O desafio era pegar o primeiro parágrafo e fazer uma "explosão" literária, sem se preocupar com o resultado, em no máximo 3000 caracteres. Eis o resultado:

Navalha

Um homem se levanta. Vai ao banheiro e se observa no espelho. Passa a espuma de barbear, pega sua navalha, mas não consegue se barbear.
A campainha toca, mas ele não se move. A campainha insiste e tudo o que ele faz é fechar a porta do banheiro.
Silas não sabe o que vê no espelho. – Quem sou eu? O homem que está me mirando ou o que a mulher do outro lado da porta quer que eu seja?
- Mas, se eu sou o que penso ser, o que farei agora? O que estou sendo hoje não era o que eu queria, ou deveria, ser...
- E o que o espelho mostra senão uma imagem reflexa e, portanto, distorcida do que eu sou? E já que sou uma imagem distorcida por que não ser a imagem que ela quer que eu seja? E por que não ser a imagem que todos querem que eu seja?
– Tenho de lembrar que sendo o que ela quer, poderei desfrutar daquele corpo que é tudo o que eu quero – pensa ele relembrando da noite maravilhosa.
- Quem serei agora?
Eram esses os pensamentos de Silas ao ouvir insistentemente a campainha da porta, que prosseguia cada vez mais agressiva.
Resolveu não fazer a barba. Não queria deixar de ser ele, até porque nem sabia quem era. Mas guardou a navalha no bolso. Já que não sabia quem era, nem onde estava, então não sabia o que esperar.
Ouviu que a mulher se levantava, reclamando:
- Quem tem coragem de me acordar desse jeito, numa hora dessas? morreu alguém? Espero que sim, pois senão vai ter morte agora.
E quando ela abre a porta fica sem voz:
Ela se vira e olha na direção do banheiro onde supostamente deveria estar seu marido e não entende como ele pode estar na porta com cara de quem não está entendendo nada.
É quando a porta do banheiro se abre e Silas se vê no vão da porta.
Fecha a porta do banheiro rapidamente decidido a acabar de vez com este sonho louco. Cerra os olhos, balança a cabeça e diz: - não, não, não!!!
Mas quando abre os olhos ele continua no mesmo banheiro, com os objetos que parecem seus, mas que não são...
Veste rapidamente a roupa e sai alarmado com os gritos que ouve.
- Você disse que ia comprar um cigarro, há mais de uma semana. Já te procurei em hospitais, necrotérios e te considerava morto, até ontem quando te encontrei, quer dizer encontrei ele – apontando Silas- bêbado naquele bar, e o trouxe para casa. E só agora tu aparece.
- Onde tu andava vagabundo? Com que piranha tu passou esses dias? Fala logo, senão eu vou te matar – e se jogou no marido para bater.
Foi quando Silas se dirigiu para porta tentando sair. Mas os dois pararam e se viraram para ele.
Desta vez foi a vez do marido: - E quem é esse vagabundo que você já colocou aqui dentro de casa, sua puta? Tu tá ficando louca é? Eu é que vou te matar e a ele também.
Silas sentiu o ar denso, pesado, colocou a mão no bolso e segurou a navalha; mas antes de fazer uso é interrompido pelo choro da mulher dizendo que achou que ele era seu marido, que estava muito bêbado e achou que ele tinha até perdido a memória. Disse ainda que não aconteceu nada, que eles só dormiram, e tudo porque ela pensava que ele era seu marido.
O marido esfriou um pouco e Silas aproveitou para ir embora. Mas o seu sósia foi mais rápido: empurrou a mulher e se jogou em cima dele.
Ainda ouviu o homem falar: - Quem é você que quer tomar o meu lugar? Como ousa fingir que sou eu? E depois destas palavras só se recorda de um murro em sua direção, o barulho de dentes quebrados e o gosto de sangue na boca...
Com esforço conseguiu se por em pé e aproveitou para sair correndo.
Quando chega à rua recorda que ontem perdeu seu emprego de professor, que não tem como pagar o aluguel e nem dinheiro algum, já que bebeu tudo à noite. Pensa na navalha no bolso. Pega ela decididamente, sorri para si mesmo e a joga no rio que corre à sua frente.
27/11/2007

Micro-contos

Estou numa oficina leterária e foi lançado um desafio: fazer micro-contos. Tinha de ser contos com menos de 50 palavras cada. Aí vão três amostras deste exercício:



Casamento definitivo
Ari casou seis vezes. Aproximando do sétimo enlace descobriu um câncer. Tinha de lutar contra doença. Não conseguiu.
– Ela te venceu?
– Não, somos inseparáveis. Enfim, arranjei um casamento pro resto da vida!
(34 palavras, 194 caracteres)




Mudança
Sarah criança: pai alcoólatra, choros e gritos da mãe. E da filha.
Cresceu. – Queria alguém diferente.
Conheceu João: bebia todas. Casou com Pedro: violento.
Separou. Está sozinha. Diferente.
(29 palavras, 170 caracteres)




Torquato Neto,
Acordou; era um dia após seu aniversário. Olhou o sol. Beijou seu filho. Escreveu a despedida: -... Pra mim, chega! Não sacudam demais o meu filho, que ele pode acordar.
Ficou sozinho, ligou o gás. Acabou!
(37 palavras, 183 caracteres)

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Um conto como sobremesa...

Hoje é um dia especialmente fértil. É que ainda estou quase de férias... mas volto para o trabalho médico hoje mesmo.
A idéia deste conto me rondava há um mês, mas só hoje consegui fazê-lo...


Quando a vida nos surpreende....


Quando Lumara acordou naquele dia não poderia imaginar que ele seria imensamente maior que os outros e proporcionalmente mais pesado. Ao se arrumar para deixar seu filho único de oito anos, Filipe, no colégio, vestiu sua roupa de ginástica e saiu determinada a cumprir com sucesso sua longa agenda: filho no colégio, academia, trabalho, almoço/reunião, trabalho, salão de beleza, casa e se arrumar correndo para o Congresso de Marketing, da qual era Presidente e faria a abertura.
E não esqueceu que no meio do trabalho teria de rever os slides que iria apresentar à noite. Que tinha de lembrar o ex-marido de pegar o Filipe no colégio para dormir com ele. E também que tinha de ligar para buffet, floricultura e hotel para que tudo estivesse perfeito no Congresso.
Foi com esse espírito que saia de casa:
- Vamos Filipe, já estou atrasada.
- Peraí mãe! Já to descendo.
-Você sempre me atrapalha, tem de ser mais organizado, vamos, hoje é um dia difícil, vamos , corre!!!...
Após deixar o filho no colégio o celular toca:
- Bom dia. A Senhora é Lumara que mora em Brasília, filha de Dona Adelaide Silveira?
-Sim sou eu mesma, porque?
- Ela é dona de um Fiat uno prata?
E já sem paciência - Sim, mas quem está falando, que perguntas são essas? o que aconteceu? É brincadeira? Vamos responda rápido!
- Sou policial e sinto informá-la: sua mãe morreu!!! Teve um acidente de carro aqui em Luziânia, atravessou o sinal vermelho e um ônibus a acertou. Teve morte imediata e estamos aguardando os parentes para identificar o corpo...
Não conseguiu mais falar. Desligou o celular, sentou-se no meio-fio onde estava e sem perceber se havia expectadores para sua dor, chorou copiosamente. Nada mais importava...
As cenas vieram de chofre, sem pedir licença: sua mãe ralhando com ela para comer, o passeio na pracinha que faziam na infância, a roseira delas, o seu casamento quando sua mãe lhe vestiu a roupa...quando Filipe nasceu e todas as vezes que ele esteve doente, quando Lumara não podia parar o trabalho, e sua mãe vinha lhe ajudar... e como flashs as cenas se reproduziram consecutivamente, sem intervalos para dor.
A agonia se fez imensa quando lembrou das inúmeras vezes que sua mãe solicitou que a visitasses em Luziânia, que era tão perto de Brasília; ou então deixasse que ela ficasse uns dias em sua casa para ver o neto - mas a sua agenda lotada não a permitia nada disso. Mais de seis meses que não vejo minha mãe!!! Tanto que o Filipe pediu para ir lá. Acho que ele estava advinhando. Como eu fui burra!
- Oh! Meu Deus! Porque deixei tudo isso acontecer? E agora não tenho mais ela...onde ela está? Cadê aquele sorriso doce? Onde está minha mãe?????? Como eu faria tudo diferente. Deus me livra desta dor!!! Lágrimas jorravam sem parar
O telefone toca.
Ela não consegue atender!
O chamado insiste até que Lumara responde:
- Oi!.
- Oi filha sou eu.
Susto! !!!
Era sua mãe. Como era isso? Ela estava se comunicando com ela morta? Existia espírito? Tudo isso passou por sua cabeça até ela responder: - mãe é você? Onde você está? Não morreu?
- Não filha, eu tô ligando para dizer que sua tia Joana, veio aqui, pegou meu carro escondido para flagrar seu marido que estava lhe traindo e atravessou um sinal vermelho e...
- Eu sei mãe ela morreu, o guarda me ligou achando que era a senhora. Ah! mãe que alívio que a senhora está viva. Estava desesperada sem saber o que fazer.
- Lumara, estou precisando de você, você sabe que Joana era a única irmã que me restou, estou muito abalada, me sinto sozinha, perdida...vem pra cá filha, fica no enterro comigo, por favor e... ( o pranto não permitiu continuar )
- Mãe, quando é o enterro? Amanhã né? Desculpa, estou sem condições de ir, tenho um Congresso de três dias que começa hoje. E por falar nisso já estou atrasada para resolver tudo, que tenho de resolver até a noite. Sinto muito, mãe, hoje é um dia impossível. Tentarei ir no fim de semana. Não esqueça que te amo e vou tentar estar mais juntinho da senhora à partir de agora. Beijo, tchau!
E saiu pensando que aquele incidente tomou pelo menos uma hora, de um dia desses tão tumultuado. E as lágrimas ainda lhe deixaram com uma aparência horrível
- Que horror. Mas o susto serviu para me organizar e estar mais presente na vida da minha mãe. Deve ser um aviso de Deus.
Foi quando lembrou: - vou ter que avisar a mamãe, ligo amanhã, depois do enterro, que neste fim de semana vou ter visitas em casa – amigos que vieram para o congresso e que teremos de fechar negócios - e logo depois viajo para um curso de duas semanas em São Paulo, mas quando chegar vejo um tempinho de ir lá!
E saiu, sob um sol pálido, para seguir driblando o tempo deste dia tão imensamente carregado.
09/10/2007

poetrix 2

me encantam os amigos

que surgem no momento certo
que ficam nas horas erradas
que saboreiam os instantes eternos

poetrix

Tenho um amigo e que também é meu mestre na oficina literária : Oswaldo Pullen,
que sempre tenta me convecer a fazer Poetrix... confesso que minha prolixidade
não permite... mas segue um que espero ser o primeiro de uma série:

Sempre gostei dos dias de chuva

Que escondem mais do que mostram
Que enterram segredos e lavam tristezas
Me aliviando a crueza da mágoa

Aqui segue outra poesia saída do forno agora...

Não sou vingativa, rs,rs, mas a poesia me veio inteira assim...
e com licença poética...


Ao homem que me abandonou


Te condeno que encontres
crueza gelada ao invés de fogo
garras de gavião e não mãos sábias
rosto vazio com olhar morto
lábios de serpente ao invés de beijos
Fel, dor, solidão, desgosto...

Até encontrar alguém que perceba tudo que és,
te amarre na cama pra sempre
e te ame como eu amei
09/10/2007

Mais poesia...

Acabei de chegar do Congresso Brasileiro de Poesia, realizado em Bento Gonçalves, entre os dias 1 e 07/10 e minha cabeça está repleta de poesias, que estão chegando prontas e tenho que compartilhar com vocês:

Encontros não marcados

Da primeira vez que vi o amor ele se apresentou colorido,
brincamos e sorrimos juntos,
tão inocentemente adolescentes
que nos tornamos um...
Ele falava poesias, vestia flores
e juntos descobrimos o corpo
que misturamos a tudo que tínhamos
Um pouco de paixão, um pouco de amor,
tesão, ternura, desejos...
Mas de tudo tão pouco... sumiu...
E quando se despediu deixou um gosto de primeiro
que não se desfaz jamais

Da segunda vez que o amor chegou ele vestia vermelho
Cheirava vinho, era impetuoso, vibrante
Tinha um buraco no queixo
e trazia poesia na bagagem
Revirou minha vida,
mudou a retina dos meus olhos
cristalizou seu beijo nos meus lábios
E me fez mulher
E quando se foi
O sangue escorria de todos os poros
E morri devagarinho todos os dias

Da última vez que encontrei o amor ele era azul
Tinha o cheiro do mar com voz doce
Usava chapéu com olhos mansos
e voz suave que me tranqüilizava
com suas poesias viajeiras
Era raro como uma rosa azul com perfume de magnólia
E quando se despediu deixou a chuva nos meus olhos
E como uma terra semeada,
me tornei mais viva

E sigo presa-caçadora faminta
aguardando os encontros
de poesias não marcados...
09/10/2007

Estava ausente, em viagens...mas voltei...cheia de idéias...

Hoje acordei pensando nos encontros e separações que permeiam nossas vidas e sou mestra nas separações...desenterrei então este meu poema de 2006!

AOS HOMENS DA MINHA VIDA
(reais e imaginários)

Mesmo sem querer,
vez por outra te encontro,
numa esquina da mente,
cheirando a guardado...

Te percebo naquele gesto ou palavra
que originado de outros
não tem mais tua magia
Ah! e naqueles dias
em que a nossa música
ganha alma própria
e se apossa de mim

Te encontro, ainda, no cheiro
que ficou no meu corpo,
muito, muito tempo
e se escondeu num sótão
para me atormentar
nos dias de faxina

Queria ter ficado contigo
Para sempre!!!...
Mas em algum dia,
por alguma razão,
não tivestes força de me segurar
e me perdi de mim
e perdida, tive que ir atrás...
e somente para continuar sendo eu
que deixei de ser nós

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Um conto praiano

Este conto foi criado para uma oficina literária. A idéia era um conto ambientado na Praia de Copacabana que não constasse 100 palavras entre elas: praia, sol, Copacabana, areia, mar, oceano, ondas, calçadão, lua, mulher, chapéu, chinelo e palavras afins.
E o resultado foi este:

Reencontro


Era um fim de tarde primaveril, naquela hora do crepúsculo em que tudo adquire tons alaranjados e a água reflete tantas matizes de cores que parece a palheta de um pintor.
Heloísa segue melancólica, atravessando a Avenida Atlântica, naquele mesmo Posto Dois onde inúmeras vezes veio brincar com a filha nos fins de tarde, ao sair da casa de sua mãe, antes de ir para a sua, no Leblon.
Ao sentir seus pés naquele tapete branco, ainda morno, naquela hora do dia, sentiu uma emoção muito forte. Após vinte anos voltava àquele lugar. Demorou muito a se sentir preparada para pisar ali novamente.
Lembra que tudo tinha sido muito rápido, a notícia que sua filha, Carmem, tinha uma doença grave a pegara de surpresa. A seguir o diagnóstico de um tipo raro de Leucemia e em menos de três meses a notícia:
— Sinto muito falar...mas sua filha morreu!
Depois disso, uma tristeza lancinante, sem limites! Seguida de um mergulho num vazio que deixou várias lacunas na sua vida. Parece que sua vida entrou num redemoinho tão confusamente doloroso que pouco se lembra desta época. Não que a dor tenha sido minimizado com estes esquecimentos, não...o que aconteceu é que ela não estava naqueles dias neste mundo...
Agora, enquanto sentava na terra ainda molhada, pensou:
— Hoje, exatamente hoje, ela faria trinta anos!
E como um carinho na alma sentiu que naquele momento tinha de estar ali. Naquele mesmo lugar, onde várias vezes, Carmem fez seus castelinhos encantados que a água teimosamente desmanchava. Ela gostava de passar o dia na casa da avó só para poder ir brincar na terra macia. Ficava concentrada fazendo sua obra de arte, como hipnotizada.
— Carmem, vamos! Já está escurecendo, temos de ir.
— Mas mãe, deixa eu ficar mais um pouquinho, tô terminando o castelo mais lindo do mundo...
— Só dez minutinhos e nós vamos de qualquer jeito, entendeu garotinha? Acho que por você a gente morava aqui, né?
— Ah! eu adoro ficar aqui...espera só um minutinho, por favoooooooor...
Heloisa recorda que após uns seis longos meses, depois do enterro, recomeçou a vida; mas onde olhava, onde andava, onde resistia, parecia que estava faltando algo...se sentia como se não merecesse estar viva; era um erro a morte ter levado sua filha e não ela...
Mas como um presente, um ano após esta perda imensa, se descobriu grávida novamente e assim nasceu Mariana, que veio para ser sua grande companheira.
O sofrimento nunca cessou, mas se atenuou com a chegada de alguém que precisava de cuidados e que rapidamente se mostrou muito inteligente e brincalhona fazendo sorrir a casa inteira.
Aliás, tinha marcado com Mariana para fazer umas compras no Barra Shopping. — Já estou em cima da hora. Tenho que ir.
Quis sair, mas algo a prendia àquele lugar. Tirou a sandália e se dirigiu àquele vai vem de água azul, gelada. Ao molhar os pés sentiu um cheiro de lembrança antiga, salgada...reviveu outro Rio de Janeiro, outra Heloísa, outra filha...e chorou copiosamente.
Calçou a sandália e começou a fazer o caminho de volta.

Ainda não tinha chegado a rua quando ouviu uma gargalhada e um — tchau, mamãe – como não ouvia há séculos...
Virou-se bruscamente, como se pudesse repentinamente voltar no tempo, mas não havia ninguém. Tudo começava a escurecer, embora o reflexo lunar já começasse a ser desenhado na água.
Voltou-se para ir embora e ouviu novamente:
— Até logo, mamãe.
Desta vez ela não olhou para trás, para não perder a magia, e respondeu sorrindo:
— Até logo, filha.
E saiu pisando no chão macio, bem lentamente, e com a certeza que iria voltar ainda muitas vezes, naquele lugar, para reencontros muito especiais.


07/08/2007

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

E num espaço de beijos não podia faltar um...

O beijo que não te dei

Aquele que eu não te dei
é o que mais me consome,
O que recrio todo dia
O que mais tenho saudade

Aquele beijo que não dei
fundiu-se no espaço,
Hoje é etéreo, impalpável
Sem nunca ter existido

O beijo que não dei
aguarda o momento de ser,
de se transformar em essência
e ficar no corpo pra sempre

Ah! os beijos que ainda
não dei...

Julho/06

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Um conto!

Traição

— Você é uma vadia!
Alberto não acreditava no que acabara de falar para a sua esposa. Ele sabia que ultrapassara os limites, mas não podia retroceder. Bateu a porta com força e saiu, deixando na sala uma Lucila atordoada.
Enquanto Alberto se dirigia ao trabalho, reviveu esses traumáticos últimos dias que culminaram com este episódio. Há menos de dois meses se achava feliz com a esposa que tinha escolhido, pois mesmo após 7 anos de casado ela continuava linda, como no primeiro dia que a viu: cabelos lisos dourados e expressivos olhos grandes verdes, olhos de felina...
Ele lembrou que quando Lucila foi morar na sua vizinhança, ambos então com 15 anos, se apaixonou de imediato, no dia da mudança...embora tenha levado um ano para ter coragem de se declarar e ter sido aceito como seu namorado... e quatro anos depois como marido...
E a felicidade se tornou maior com a chegada da filha que ele tanto amava e que cada dia se tornava mais esperta. Quando ele a viu, após o nascimento, não teve dúvidas em relação ao nome, só poderia se chamar Isolda, em homenagem à heroína do romance shakesperiano, que era uma das suas paixões desde a adolescência.
Mas desde a época de namoro ele freqüentemente se perguntava o que Lucila via nele, já que sempre foi o patinho feio da escola; além disso ele não podia esquecer as palavras maternas que martelavam no seu ouvido “que ele era feio, mas era o mais inteligente” quando alguém observava sua aparência em comparação com os irmãos.
Sabia que não estava errado: — ela me trai, com certeza!
Ele notou assim que a filha começou a crescer e não apresentava nenhuma semelhança com ele. Nem o nariz grande, nem o queixo prognata, nem os olhos pequenos, nem a cor dos cabelos...nada...
Começou a observar os traços da filha; e também a esposa para descobrir com quem ela poderia estar tendo um caso, pensou no sócio, nos amigos e até no irmão mais novo, que sempre gostava de aparecer na sua casa para jantar.
Passou semanas nessa angústia, até que um dia observando o caseiro ajudando gentilmente sua esposa a plantar umas flores, viu como era um sujeito apessoado, com aqueles cabelos louros anelados
iguais aos da Isolda. Bingo! Tinha encontrado o sujeito. Não tinha dúvidas : Lucila estava tendo um caso com o Waldomiro.

Munido desta certeza Alberto chamou Lucila para o quarto e a acusou, esperando que ela contasse tudo e confirmasse suas suspeitas. Esperou até que ela reconhecesse a esperteza dele em descobrir tudo.
Mas ele não contava que ela caísse aos seus pés, dizendo que o amava, que nunca tinha olhado para outro homem e que ele estava desrespeitando-a ao caluniá-la com o caseiro.
—Ela era uma grande atriz! Pensou. A raiva aumentou:
—Eu a estou desrespeitando?
—Você não pode falar em respeito.
—Você é uma vadia!
Bem, voltamos então ao impasse inicial quando Lucila foi deixada atordoada na sala, sem entender nada.
Ela amava o marido desde quando o conheceu. Com aquele jeito tímido e atencioso ele a encantou no momento em que cansada da mudança foi pedir água ao novo vizinho.
E sentiu imediatamente que foi correspondida. Portanto quando ele a pediu em casamento ela não teve dúvidas que Alberto era o homem da sua vida.
É verdade que agora freqüentemente se sentia solitária e aí duvidava se era tão amada por ele assim. Mas sabia que é da natureza dos homens ficarem isolados, e por isso ela não estranhava quando ficava quase todas as noites sozinha, na televisão e depois por conseguinte na cama.
Mas daí a inventar uma estória que ela estava tendo um caso, ainda mais com o Waldomiro era um desrespeito sem lógica; ele a tinha humilhado e a magoado muito. Ela não o perdoaria e entre lágrimas decidiu que iria passar uns dias na casa da sua mãe. Não tinha feito nada de errado para ser uma mulher largada, mas também não iria deixar isso passar em branco,— ah! não ia não...
— E logo o Waldomiro, um empregado, um subordinado, que ela nunca tinha olhado direito. Ela não entendia aquela suspeita do marido.
Ela resolveu que iria pegar a filha imediatamente e ir para casa da sua mãe. Mas não ficou tão resoluta quando encontrou o Waldomiro brincando com sua filha.
Sentou na varanda e começou a observar aquele belo homem sempre tão gentil com ela e pronto para atender todos os caprichos da Isolda. Começou a observar aqueles braços fortes, aquelas pernas musculosas; e se perdeu em devaneios. Foi quando Waldomiro lhe voltou o olhar e sorriu, de uma maneira diferente, ela sabia...
Um ano depois desta cena, estamos nesta mesma varanda observando um Alberto emocionado segurando o bebê William nos braços, com alegria redobrada por não ter dúvidas que este sim era seu filho, com seus mesmos cabelos pretos.
E a mãe, Lucila, também olha para o filho com a maior felicidade, porque o filho é a memória viva dos maravilhosos momentos que viveu com o Waldomiro.

26/04/2007

Mais prosa!

Esse conto é "fresquinho", terminei ontem à noite.

Vou morar em Paris!

Sônia estava decidida, desde pequena, a morar em Paris e iria até as últimas conseqüências para realizar seu sonho.
Tudo havia começado há quinze , quando ela assistiu um filme que se passava na França e tomou a decisão de um dia viver lá. O filme era em preto branco, e o título e os atores já se perderam no tempo; mas a imagem de uma moça linda vestida de branco, andando por aquelas avenidas largas, pela torre imensa e parando no Rio Sena para se encontrar com seu amor, ficaram gravadas por toda uma eternidade.
Sônia, então com doze anos, perguntou:
— Mãe, que lugar é esse?
— Acho que é Paris, minha filha...é, é Paris.
— Pois é lá que eu vou morar quando crescer!
— Deixa de bobagem Soninha, onde já se viu filha de pobre, morando neste fim de mundo do Piauí, ir para Paris?
— Mas mãe, tenho certeza que vou morar lá...
— Tu tá ficando besta menina! Deve de ser de tanto assistir televisão. Vou começar a te proibir de assistir esse monte de filme, que só faz por caraminhola nesta cabeça oca. Vai botar água no fogo para fazer o café e vê se assim pára de falar besteira...
Sônia resolveu que não ia falar disto com mais ninguém até o dia da sua viagem. Aí sim todo mundo teria uma surpresa.
Ela se tornou em pouco tempo uma moça linda, olhos grandes e expressivos, castanhos claros, olhos de mel, com cabelos aloirados ligeiramente anelados, lábios grossos, voz rouca e um rebolado de chamar atenção por onde andava.
Nem ela deixou de usar isso para atrair todos os olhares masculinos, que passavam por perto, e nem lhe faltou uma legião de fãs interessados em passar as mãos nos seus atributos. E no fim de um namoro de dois anos com o filho do vereador local, ela estava grávida de cinco meses.
O noivo foi fazer medicina na capital e nunca mais foi visto por aquelas bandas. E a “embuchada” teve de agüentar a ira da família e o falatório de toda a população.
Foi aí que ela teve certeza que não pertencia aquele lugar. E a cada humilhação que passava, após diminuir o impacto inicial, enxugava as lágrimas e saia sorrindo, pensando na satisfação que iria sentir quando fosse morar na França.
E aquilo foi suficiente para enfrentar as brigas familiares e a hostilidade dos outros. E quando Matheus nasceu tudo ficou mais tranquilo na sua casa. A cidade tirou ela da berlinda para colocar a filha do seu Zé, do açougue, que tinha ido para capital para ser prostituta. E alguns vizinhos até voltaram a falar com ela.
Ela resolveu por seu plano em ação e se ofereceu para fazer faxina na casa de uma francesa idosa que viera morar no Brasil , em troca de aprender francês. Marie, seu nome, era viúva e viu com bons olhos o oferecimento da moça. Resolveu ensiná-la.
Durante um tempo aconteceram encontros das duas todas as sextas feiras e enquanto a casa estava sempre limpa ela conseguiu dominar o básico do francês. Além de aprender a escrever cartas e ouvir músicas francesas.
E por ser uma profissional rápida, asseada e educada Sônia conseguiu trabalhar em várias casa de família. E sua mãe, Dalva, cuidava do Matheus para ela trabalhar.
— Mãe, queria lhe pedir uma coisa.
— Fala filha.
— É que eu queria passar uns tempos em Teresina. Lá pagam bem e vou conseguir ganhar um dinheirinho melhor
— Mas filha, e o Matheus?
— Pensei em deixar com a senhora um tempo, depois eu pego ele. No máximo seis meses.
— Dá muito trabalho...mas vou pensar...
E depois de um esforço diário e contínuo de dois meses, enfim, Sôninha foi para capital deixando o filho com a mãe.
Comprovou o que as amigas falavam, lá ganhava mais dinheiro com faxina sim. Ficou deslumbrada com isso até o fim do mês. Quando teve que pagar aluguel, luz, água e o crediário de roupas que comprou por conta, caiu a ficha!
— Não dá para viver assim — vivia devendo e, no final de seis meses, cedeu à pressão das amigas e foi vender o corpo que dava mais dinheiro que o outro trabalho.
Ela não se importava com quantos eram, que rosto tinham e como a tratavam. Fazia tudo maquinalmente
— Oi inicial, com sorriso - tirava as roupas, perguntava a preferência, partia para a ação e tchau.
Desta maneira mesmo. Sem envolvimento. Sem uma reclamação.
Logo ela se tornou a preferida da casa e cada vez foi acumulando mais dinheiro para sua viagem.
É, ela continuava sonhando com Paris e era nisso que pensava com cada cliente que entrava.
— Com este dou mais um passo na viagem - e ia em frente...
Não quis mais saber do filho. Tinha vergonha. Mandava dinheiro todo mês e no natal e aniversário até presente. Mas não o viu mais. Nem os pais que, ela sabia, estavam desgostosos.
Ela seguia sua estrada para Paris diariamente, sem escalas.
Após quatro anos de trabalho árduo ela comprou passagem — Só de ida!, tirou passaporte, pegou todo seu dinheiro, que dava para viver uns seis meses e fugiu de todos. Sem aviso e sem despedidas.
Chegou em Paris num dia de sol claro do mês de junho. Deixou as malas num hotelzinho barato. E como não queria perder tempo, vestiu um vestido branco- igual a atriz do filme – e foi conhecer a avenida da sua infância.
Estava deslumbrada com as ruas, com os cafés do fim de tarde (repletos de fregueses) e aquela linguagem estranha que soava como música à sua alma. Sentiu-se a mocinha do filme e começou a sorrir enquanto atravessava a rua em direção ao Rio Sena. Quase podia ouvir a voz de um homem maravilhoso que deveria esperá-la do outro lado, igual ao filme...
Sabia que era vitoriosa, que tinha alcançado seu sonho. Naquele êxtase de felicidade fechou os olhos para não esquecer daquele momento nunca mais...
E foi assim que encontraram seu corpo na rua, sorrindo para sempre...

31.07.2007

Como disse antes as poesias me desnudam...

Considero este o meu melhor poema e foi criado na primeira noite do Congresso Brasileiro de Poesia, realizado em Bento Gonçalves, no ano passado. Estava no Hotel Vinocap, sozinha - minha colega de quarto ainda não havia chegado! - e sem conseguir dormir a "poesia-retrato" debruçou-se inteira sobre mim...

PEQUENO ÓBITO

Hoje,
Comecei minha morte
neste quarto de hotel

Mastigando nós
recrio cadáveres
que gozavam felizes...
Degusto roupas entrelaçadas
e carinhos despenteados

Os beijos e risos
que habitaram o ventilador do teto
Parados
Anestesiam minha língua
e se prendendo à faringe
sutilmente me sufocam

Na cena não digerida
o sangue tinto corria pelo pano branco
que o matizava
como um artista louco
que aleatoriamente
expressa seus sentimentos
numa tela vazia

Tento respirar as tintas da parede
sem sucesso
Busco um abraço invisível
que me massageie o peito
mas só a fisionomia abjeta se reflete
Grito em silêncio a minha dor
e ofegante
varro os cacos de vidro
Paro, perplexa,
pois não existem lábios
Para a boca-a-boca

Meu corpo lívido ressurge
num palimpsesto
Deto-me!
Abro uma garrafa de tannat
Sorvo a taça
cheia de lágrimas
e aromas
E jazo horas eternas...

Respiro profundamente
Contenho meu pequeno óbito
E saio no frio
Sob um sol pálido
Após a chuva infernal

01 p/ 02/10/2006

sábado, 14 de julho de 2007

Uma noite do ano passado, num ensaio do Duo de Cordas: Mandrágora, fiz esse poema...

ENTRE NÓS

Aqui jazem todos
e
entre cordas e nós
constroem-se os segredos

Alguns de matérias sofríveis
palpáveis, perecíveis,
Outros etéreos
lembranças imperfeitas
do momento do cio

Começa a festa,
distribuem-se os papéis
o sangue tinto é servido,
aquecido, desejado,
temido,
Vertendo nas bocas
A música do beijo

Som, luz, sombra!!!

Choram as cordas
Quebram-se tensões
Esgarçam-se os sentidos
E seguimos perdidos
sem vínculos, nem marcas
Mas já não somos nós

Junho/2006

sexta-feira, 13 de julho de 2007

uma prosa para variar...

A Dama da Noite

Maria era a mais velha de uma vasta família e, desde que se entendeu por gente, sempre estava cuidando de alguém. Primeiro, foram os irmãos menores, que se seguiram numa velocidade de “um por ano”, num total de doze. Depois a mãe adoeceu e, antes que Maria pudesse compreender, ficou órfã .

Naquela época, não se podia perder muito tempo sofrendo com perdas, porque a Joana chorava sem parar, a Julieta pedia comida e o Joaquim estava apanhando do Sebastião; e todos “em coro” gritavam por ela. Quando, enfim, todos dormiam, ela já estava morta, quer dizer, viva de cansaço, que não tinha energia nem para chorar.

O pai, como era costume no início do século XX, naquela cidade do interior de Pernambuco, nem deixou a cama esfriar, e já se casou com a filha do dono da venda, uma moça de 17 anos, chamada Zulmira, dois anos mais velha que Maria.

Os filhos nem tiveram tempo de emitir uma opinião sobre o comportamento da madrasta, e nem ela própria precisou testar muitos seus “instintos maternos” com os filhos de outra, posto que a “fiarada” continuou nascendo num ritmo anual contínuo e logo os 23 irmãos já conviviam juntos, como se assim tivesse sido sempre.

De dia, os do sexo masculino, iam para escola, assim que completavam sete anos, e as meninas ficavam cuidando da casa e da comida. Maria, que desde que a mãe morreu, dividia a autoridade de dona da casa, ocupava seu tempo entre a casa e o jardim. E quando precisava assinar o seu nome, usava o seu polegar, como todas as moças de família da época.

Mas o que Maria adorava era plantar flores, principalmente as que tinham mais perfumes...e gastava horas preparando a terra, escolhendo as sementes, cultivando e aguando suas flores. E “ai” do irmão que numa corrida desembestada ferisse uma das suas plantinhas, levava uma surra de cipó, com certeza.

O jardim tomava quase todo o seu tempo. E quando sentia aquele vento com cheiro de chuva que precedia as pequenas tempestades de verão, Maria imaginava que o vento trazia o seu príncipe, que iria pegá-la naquele jardim perfumado e conduzi-la a uma casa branca, linda, com pequeno jardim, onde teria todo silêncio e paz necessários para admirar suas flores.

Mas, os irmãos e as irmãs cresceram, e os mais velhos se casaram. Alguns até tiveram filhos. E nunca apareceu ninguém, na chuva, nem fora dela. E Maria ficava para titia. Ela sabia que não era bonita, pois não tinha o cabelo liso da Juliana e nem o rosto de boneca da Zefa , mas também não era feia. Além disso, ninguém cuidava melhor de uma casa e de crianças do que ela...Mas virou moça velha mesmo assim...

Foi por volta dos trinta que ela começou a se arrumar toda noite e ficar sentada na porta de casa como se esperasse alguém. Nem os irmãos, nem o pai e nem Zulmira ousaram perguntar o que esperava. Mas o ritual de se arrumar todo dia às 18h, se perfumar toda, jantar e dar uma longa volta no jardim, antes de se sentar na varanda, olhando a noite, se repetiu até se misturar a rotina diária da casa, que ninguém mais estranhava.

Mas, num belo dia, digo, noite, para ser mais exata, apareceu uma visita. Nem era príncipe, nem novo, nem bonito. Nazário era um senhor grisalho, de uns 50 anos, viúvo, com dois filhos adolescentes e, que vindo passar um par de semanas na casa de seu compadre, se encantou com aquela moça vizinha que toda noite olhava as estrelas. E não sendo homem de perder tempo, falou com seu compadre, que conversou com o pai e que, atonitamente maravilhado, consentiu com o casório.

Maria sabia que ele não era o que ela sonhara, mas naquela altura da vida, o que esperar? Tratou de aceitar logo o pretendente e em menos de uma semana conheceu, namorou e noivou com o desconhecido. Nazário voltou para a capital, com a justificativa de ajeitar os papéis e arrumar a casa para receber a nova esposa, e nunca mais foi visto.

E Maria? Continuou com sua rotina de cuidar do jardim e da casa. Imperturbável. Completou-se dois meses sem notícia do noivo e todas as paredes da casa já cochichavam sobre o abandono e o azar de Maria. Mas ela continuava se arrumando e se perfumando toda noite.

Ninguém sabe precisamente a hora, mas numa dessas noites, enquanto passeava entre as flores, Maria desapareceu. Sem levar roupas, nem nenhum objeto pessoal. Suumiu no ar. E desde esse dia, quando alguém passa perto da casa, à noite, sente o perfume de Maria, que nunca mais saiu desse jardim.

Maio/2007
AUTORETRATO II
(em dia de faxina)


Nasci sem aviso, sem festa e em guerra,
Naquele ano que nunca acabou.
Os choros daquela época se multiplicavam
e eu inocente, sem sentir
deixei que o meu choro inicial gerasse tantos
que nunca mais tiveram controle...
E até hoje os encontro,
em todas gavetas que abro

As brincadeiras de esconde-esconde,
com meus irmãos,
me ensinaram a esconder do medo
Mas quando este me encontra...
continua me apavorando,
como fazia na infância

Não tive bonecas,
nem quase brinquedos,
Mas logo cedo descobri que podia sumir,
viajando com os livros
E desde essa época, tenho a estranha mania,
de os trazer sempre comigo,
de malas prontas,
Para que nunca me prendam
e me impeçam de ir

E assim cresci
e amei
E entre acidentes
geográficos,
físicos e psicológicos
me tornei o que sou

Mas por mais que corresse
as cicatrizes me alcançavam
Hoje,
as carrego todas,
sem tentar mais fugir
Pois as físicas, tantas,
já se confundem com a minha pele,
e as outras, se camuflam,
e já fazem parte de mim

Agosto/2006

AUTORETRATO
(em vestido de festa)


Me vejo vermelha,
cor primária, primeira,pulsátil,
inquieta, majestosa, sofrida
Prefiro a intensidade,
vivo de paixões,
pagando o preço, portanto,
de grandes mágoas, dores intensas,
não faz mal, não tenho medo,
transito bem na sombra como na luz,
recomeço...

Devoro livros e comida,
com volúpia, com sofreguidão,
mas, por vezes,degusto bem lentamente,
a depender do menu e da companhia

Bebo tudo, tomo todas
(menos refrigerante, faz mal!)
Ah! mas o vinho tinto
combina melhor com meu cheiro, com meus gostos,
é como um beijo eterno em Baco

Odeio TV, prefiro o silêncio
ou o 'barulho' de uma boa melodia

Então, eu sigo assim,
nesta estrada,
a sina de todos:
um pouco de médica, um pouco de poeta
e um pouco de louca.

dez/2004
Meu par klimtiano


Não chegastes como príncipe,
encantando os meus dias
nem como lobo,
devorando os meus desejos
chegastes sorrateiro,
sem aviso de chegada
e passo a passo
éramos cadafalso......
em um só laço.

Nossos corpos
siameses
reencontraram-se novamente
e ultrapassaram seus limites
e o meu corpo
minhamente meu
sente continuadamente
a ausência
que o teu eu
me deixou

Outubro/2006

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Beijo Doce

A vida me deu um beijo
Vislumbre de mel tão doce
Que mel outro assim não há.

Oswaldo Pullen