quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Mais prosa!

Esse conto é "fresquinho", terminei ontem à noite.

Vou morar em Paris!

Sônia estava decidida, desde pequena, a morar em Paris e iria até as últimas conseqüências para realizar seu sonho.
Tudo havia começado há quinze , quando ela assistiu um filme que se passava na França e tomou a decisão de um dia viver lá. O filme era em preto branco, e o título e os atores já se perderam no tempo; mas a imagem de uma moça linda vestida de branco, andando por aquelas avenidas largas, pela torre imensa e parando no Rio Sena para se encontrar com seu amor, ficaram gravadas por toda uma eternidade.
Sônia, então com doze anos, perguntou:
— Mãe, que lugar é esse?
— Acho que é Paris, minha filha...é, é Paris.
— Pois é lá que eu vou morar quando crescer!
— Deixa de bobagem Soninha, onde já se viu filha de pobre, morando neste fim de mundo do Piauí, ir para Paris?
— Mas mãe, tenho certeza que vou morar lá...
— Tu tá ficando besta menina! Deve de ser de tanto assistir televisão. Vou começar a te proibir de assistir esse monte de filme, que só faz por caraminhola nesta cabeça oca. Vai botar água no fogo para fazer o café e vê se assim pára de falar besteira...
Sônia resolveu que não ia falar disto com mais ninguém até o dia da sua viagem. Aí sim todo mundo teria uma surpresa.
Ela se tornou em pouco tempo uma moça linda, olhos grandes e expressivos, castanhos claros, olhos de mel, com cabelos aloirados ligeiramente anelados, lábios grossos, voz rouca e um rebolado de chamar atenção por onde andava.
Nem ela deixou de usar isso para atrair todos os olhares masculinos, que passavam por perto, e nem lhe faltou uma legião de fãs interessados em passar as mãos nos seus atributos. E no fim de um namoro de dois anos com o filho do vereador local, ela estava grávida de cinco meses.
O noivo foi fazer medicina na capital e nunca mais foi visto por aquelas bandas. E a “embuchada” teve de agüentar a ira da família e o falatório de toda a população.
Foi aí que ela teve certeza que não pertencia aquele lugar. E a cada humilhação que passava, após diminuir o impacto inicial, enxugava as lágrimas e saia sorrindo, pensando na satisfação que iria sentir quando fosse morar na França.
E aquilo foi suficiente para enfrentar as brigas familiares e a hostilidade dos outros. E quando Matheus nasceu tudo ficou mais tranquilo na sua casa. A cidade tirou ela da berlinda para colocar a filha do seu Zé, do açougue, que tinha ido para capital para ser prostituta. E alguns vizinhos até voltaram a falar com ela.
Ela resolveu por seu plano em ação e se ofereceu para fazer faxina na casa de uma francesa idosa que viera morar no Brasil , em troca de aprender francês. Marie, seu nome, era viúva e viu com bons olhos o oferecimento da moça. Resolveu ensiná-la.
Durante um tempo aconteceram encontros das duas todas as sextas feiras e enquanto a casa estava sempre limpa ela conseguiu dominar o básico do francês. Além de aprender a escrever cartas e ouvir músicas francesas.
E por ser uma profissional rápida, asseada e educada Sônia conseguiu trabalhar em várias casa de família. E sua mãe, Dalva, cuidava do Matheus para ela trabalhar.
— Mãe, queria lhe pedir uma coisa.
— Fala filha.
— É que eu queria passar uns tempos em Teresina. Lá pagam bem e vou conseguir ganhar um dinheirinho melhor
— Mas filha, e o Matheus?
— Pensei em deixar com a senhora um tempo, depois eu pego ele. No máximo seis meses.
— Dá muito trabalho...mas vou pensar...
E depois de um esforço diário e contínuo de dois meses, enfim, Sôninha foi para capital deixando o filho com a mãe.
Comprovou o que as amigas falavam, lá ganhava mais dinheiro com faxina sim. Ficou deslumbrada com isso até o fim do mês. Quando teve que pagar aluguel, luz, água e o crediário de roupas que comprou por conta, caiu a ficha!
— Não dá para viver assim — vivia devendo e, no final de seis meses, cedeu à pressão das amigas e foi vender o corpo que dava mais dinheiro que o outro trabalho.
Ela não se importava com quantos eram, que rosto tinham e como a tratavam. Fazia tudo maquinalmente
— Oi inicial, com sorriso - tirava as roupas, perguntava a preferência, partia para a ação e tchau.
Desta maneira mesmo. Sem envolvimento. Sem uma reclamação.
Logo ela se tornou a preferida da casa e cada vez foi acumulando mais dinheiro para sua viagem.
É, ela continuava sonhando com Paris e era nisso que pensava com cada cliente que entrava.
— Com este dou mais um passo na viagem - e ia em frente...
Não quis mais saber do filho. Tinha vergonha. Mandava dinheiro todo mês e no natal e aniversário até presente. Mas não o viu mais. Nem os pais que, ela sabia, estavam desgostosos.
Ela seguia sua estrada para Paris diariamente, sem escalas.
Após quatro anos de trabalho árduo ela comprou passagem — Só de ida!, tirou passaporte, pegou todo seu dinheiro, que dava para viver uns seis meses e fugiu de todos. Sem aviso e sem despedidas.
Chegou em Paris num dia de sol claro do mês de junho. Deixou as malas num hotelzinho barato. E como não queria perder tempo, vestiu um vestido branco- igual a atriz do filme – e foi conhecer a avenida da sua infância.
Estava deslumbrada com as ruas, com os cafés do fim de tarde (repletos de fregueses) e aquela linguagem estranha que soava como música à sua alma. Sentiu-se a mocinha do filme e começou a sorrir enquanto atravessava a rua em direção ao Rio Sena. Quase podia ouvir a voz de um homem maravilhoso que deveria esperá-la do outro lado, igual ao filme...
Sabia que era vitoriosa, que tinha alcançado seu sonho. Naquele êxtase de felicidade fechou os olhos para não esquecer daquele momento nunca mais...
E foi assim que encontraram seu corpo na rua, sorrindo para sempre...

31.07.2007

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