segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Um feliz ano-novo com gosto de vento, que varre tudo que deve ser perdido, e trás o gosto das novas aventuras... FELIZ ANO TODO

O vento de Mauina


Meu pai contava uma história de uma lugar mágico onde existia plantas que davam vários tipos de frutas numa única árvore (tipo goiaba, carambola, maçã e jaca, num pé só ) e do tamanho da nossa fome. Onde os rios tinham água mineral para beber e as cacimbas ofereciam sucos de frutas e chocolates quentes. Lá podíamos colher sorvetes e algodão-doce nos galhos das árvores. Além disso havia muito sol e crianças brincando o tempo todo, sem falar que não existia escola ou trabalho. Esse lugar se chamava Marinel.
Marinel ocupava meu principal foco nos sonhos da infância. Era como a Pasárgada do Manuel Bandeira. E coincidentemente ambos – Bandeira e meu pai- eram pernambucanos. Vai ver que havia algo misturado na água pernambucana que faziam as pessoas sonhar com o impossível...o que já explicaria também essa minha mania de utopias...
Mas, dizem os antigos, que há umas três léguas de Marinel encontrava-se a cidade de Mauina, um pequeno povoado onde as casas não tinham telhados, pois nunca havia chovido no lugar. Somente os mais velhos que tinham registrado nas rugas suas andanças por outras paragens é que falavam da chuva. A geração mais nova pensava que a chuva era algo sobrenatural como fadas, gnomos, bruxas...
Em Mauina o calor durante o dia era intenso, e apesar de ser uma região de muitos coqueiros não havia vento nas árvores. As folhas ficavam estáticas como se pesassem toneladas cada uma.
Durante o dia os moradores cuidavam de se ajeitar com o calor do jeito que podiam, os homens quase todo dia ficavam por conta da agricultura de vez em quando se refrescavam nos inúmeros riachos e córregos da região. As mulheres entre o fogo das panelas alternavam as lavagens de roupa e as prosas embaixo das mangueiras para se refrescar . E as crianças ninguém sabia onde andavam mas sempre davam um jeito de tapear o calor visto que quase sempre chegavam com as roupas enlameadas.
Mas a cidade passava o dia em estado de alerta como ficamos quando estamos esperando chegar a hora de um encontro marcado.
Este encontro acontecia à noite por volta das oito horas quando vinha surgindo devagarzinho um vento que inebriava toda a cidade. Os moradores me falaram:
- Dona, o vento vem do mar que fica a uns quatrocentos quilômetros daqui e por isso tem esse cheiro de mistério e aventura.
O vento chegava se infiltrando nas casas que sempre estavam de portas abertas , ele sacudia o cabelo das mulheres e rodopiando ao redor dos corpos penetrava entre as pernas das moças levantando suas saias e as convidando para sair. Nesta hora começava um assobio como se estivesse chamando todos para uma festa e as pessoas que estavam engaioladas nas suas casas saiam à rua para conversar na calçada.
As crianças ao ver seus pais ocupados em alegres conversas nos terreiros aproveitavam para brincar de pique-esconde, cirandas de rodas ou qualquer outra brincadeira infantil.
E as moças e rapazes aproveitando a distração dos mais velhos, e justificando os hormônios em alta, sumiam nas asas do vento para os lugares mais escuramente distantes que podiam encontrar.
Às dez horas o vento atingia o clímax e se podia sentir um calor frio, gostoso, que percorria todo o corpo e várias conversas eram deixadas pela metade na ânsia de dar vazão a este calor.
Mas por volta de meia-noite o vento começava a dar adeus e ia embora devagarzinho, se despedindo de todos, assumindo o compromisso de voltar no dia seguinte trazendo o cheiro do mar e o gosto das seduções.
31/12/2007

OBS: Há uma lenda do pacífico sul que conta a estória de Maui um líder local, grande amante, que por uma paixão violenta por Hina duelou com o marido dela : Te Tuna, até a morte. E Maui ao ganhar o duelo o enterrou na esquina de sua casa. E neste local deu origem ao primeiro coqueiro do mundo. E Mauina é o amor dos dois.

Um comentário:

Toque de Mel disse...

Jeanne, você é escritora das melhores. Esse conto é uma obra-prima. Parabéns. Adorei. Só lamento que não tenho sido eu a autora. (rs)