sábado, 14 de julho de 2007

Uma noite do ano passado, num ensaio do Duo de Cordas: Mandrágora, fiz esse poema...

ENTRE NÓS

Aqui jazem todos
e
entre cordas e nós
constroem-se os segredos

Alguns de matérias sofríveis
palpáveis, perecíveis,
Outros etéreos
lembranças imperfeitas
do momento do cio

Começa a festa,
distribuem-se os papéis
o sangue tinto é servido,
aquecido, desejado,
temido,
Vertendo nas bocas
A música do beijo

Som, luz, sombra!!!

Choram as cordas
Quebram-se tensões
Esgarçam-se os sentidos
E seguimos perdidos
sem vínculos, nem marcas
Mas já não somos nós

Junho/2006

sexta-feira, 13 de julho de 2007

uma prosa para variar...

A Dama da Noite

Maria era a mais velha de uma vasta família e, desde que se entendeu por gente, sempre estava cuidando de alguém. Primeiro, foram os irmãos menores, que se seguiram numa velocidade de “um por ano”, num total de doze. Depois a mãe adoeceu e, antes que Maria pudesse compreender, ficou órfã .

Naquela época, não se podia perder muito tempo sofrendo com perdas, porque a Joana chorava sem parar, a Julieta pedia comida e o Joaquim estava apanhando do Sebastião; e todos “em coro” gritavam por ela. Quando, enfim, todos dormiam, ela já estava morta, quer dizer, viva de cansaço, que não tinha energia nem para chorar.

O pai, como era costume no início do século XX, naquela cidade do interior de Pernambuco, nem deixou a cama esfriar, e já se casou com a filha do dono da venda, uma moça de 17 anos, chamada Zulmira, dois anos mais velha que Maria.

Os filhos nem tiveram tempo de emitir uma opinião sobre o comportamento da madrasta, e nem ela própria precisou testar muitos seus “instintos maternos” com os filhos de outra, posto que a “fiarada” continuou nascendo num ritmo anual contínuo e logo os 23 irmãos já conviviam juntos, como se assim tivesse sido sempre.

De dia, os do sexo masculino, iam para escola, assim que completavam sete anos, e as meninas ficavam cuidando da casa e da comida. Maria, que desde que a mãe morreu, dividia a autoridade de dona da casa, ocupava seu tempo entre a casa e o jardim. E quando precisava assinar o seu nome, usava o seu polegar, como todas as moças de família da época.

Mas o que Maria adorava era plantar flores, principalmente as que tinham mais perfumes...e gastava horas preparando a terra, escolhendo as sementes, cultivando e aguando suas flores. E “ai” do irmão que numa corrida desembestada ferisse uma das suas plantinhas, levava uma surra de cipó, com certeza.

O jardim tomava quase todo o seu tempo. E quando sentia aquele vento com cheiro de chuva que precedia as pequenas tempestades de verão, Maria imaginava que o vento trazia o seu príncipe, que iria pegá-la naquele jardim perfumado e conduzi-la a uma casa branca, linda, com pequeno jardim, onde teria todo silêncio e paz necessários para admirar suas flores.

Mas, os irmãos e as irmãs cresceram, e os mais velhos se casaram. Alguns até tiveram filhos. E nunca apareceu ninguém, na chuva, nem fora dela. E Maria ficava para titia. Ela sabia que não era bonita, pois não tinha o cabelo liso da Juliana e nem o rosto de boneca da Zefa , mas também não era feia. Além disso, ninguém cuidava melhor de uma casa e de crianças do que ela...Mas virou moça velha mesmo assim...

Foi por volta dos trinta que ela começou a se arrumar toda noite e ficar sentada na porta de casa como se esperasse alguém. Nem os irmãos, nem o pai e nem Zulmira ousaram perguntar o que esperava. Mas o ritual de se arrumar todo dia às 18h, se perfumar toda, jantar e dar uma longa volta no jardim, antes de se sentar na varanda, olhando a noite, se repetiu até se misturar a rotina diária da casa, que ninguém mais estranhava.

Mas, num belo dia, digo, noite, para ser mais exata, apareceu uma visita. Nem era príncipe, nem novo, nem bonito. Nazário era um senhor grisalho, de uns 50 anos, viúvo, com dois filhos adolescentes e, que vindo passar um par de semanas na casa de seu compadre, se encantou com aquela moça vizinha que toda noite olhava as estrelas. E não sendo homem de perder tempo, falou com seu compadre, que conversou com o pai e que, atonitamente maravilhado, consentiu com o casório.

Maria sabia que ele não era o que ela sonhara, mas naquela altura da vida, o que esperar? Tratou de aceitar logo o pretendente e em menos de uma semana conheceu, namorou e noivou com o desconhecido. Nazário voltou para a capital, com a justificativa de ajeitar os papéis e arrumar a casa para receber a nova esposa, e nunca mais foi visto.

E Maria? Continuou com sua rotina de cuidar do jardim e da casa. Imperturbável. Completou-se dois meses sem notícia do noivo e todas as paredes da casa já cochichavam sobre o abandono e o azar de Maria. Mas ela continuava se arrumando e se perfumando toda noite.

Ninguém sabe precisamente a hora, mas numa dessas noites, enquanto passeava entre as flores, Maria desapareceu. Sem levar roupas, nem nenhum objeto pessoal. Suumiu no ar. E desde esse dia, quando alguém passa perto da casa, à noite, sente o perfume de Maria, que nunca mais saiu desse jardim.

Maio/2007
AUTORETRATO II
(em dia de faxina)


Nasci sem aviso, sem festa e em guerra,
Naquele ano que nunca acabou.
Os choros daquela época se multiplicavam
e eu inocente, sem sentir
deixei que o meu choro inicial gerasse tantos
que nunca mais tiveram controle...
E até hoje os encontro,
em todas gavetas que abro

As brincadeiras de esconde-esconde,
com meus irmãos,
me ensinaram a esconder do medo
Mas quando este me encontra...
continua me apavorando,
como fazia na infância

Não tive bonecas,
nem quase brinquedos,
Mas logo cedo descobri que podia sumir,
viajando com os livros
E desde essa época, tenho a estranha mania,
de os trazer sempre comigo,
de malas prontas,
Para que nunca me prendam
e me impeçam de ir

E assim cresci
e amei
E entre acidentes
geográficos,
físicos e psicológicos
me tornei o que sou

Mas por mais que corresse
as cicatrizes me alcançavam
Hoje,
as carrego todas,
sem tentar mais fugir
Pois as físicas, tantas,
já se confundem com a minha pele,
e as outras, se camuflam,
e já fazem parte de mim

Agosto/2006

AUTORETRATO
(em vestido de festa)


Me vejo vermelha,
cor primária, primeira,pulsátil,
inquieta, majestosa, sofrida
Prefiro a intensidade,
vivo de paixões,
pagando o preço, portanto,
de grandes mágoas, dores intensas,
não faz mal, não tenho medo,
transito bem na sombra como na luz,
recomeço...

Devoro livros e comida,
com volúpia, com sofreguidão,
mas, por vezes,degusto bem lentamente,
a depender do menu e da companhia

Bebo tudo, tomo todas
(menos refrigerante, faz mal!)
Ah! mas o vinho tinto
combina melhor com meu cheiro, com meus gostos,
é como um beijo eterno em Baco

Odeio TV, prefiro o silêncio
ou o 'barulho' de uma boa melodia

Então, eu sigo assim,
nesta estrada,
a sina de todos:
um pouco de médica, um pouco de poeta
e um pouco de louca.

dez/2004
Meu par klimtiano


Não chegastes como príncipe,
encantando os meus dias
nem como lobo,
devorando os meus desejos
chegastes sorrateiro,
sem aviso de chegada
e passo a passo
éramos cadafalso......
em um só laço.

Nossos corpos
siameses
reencontraram-se novamente
e ultrapassaram seus limites
e o meu corpo
minhamente meu
sente continuadamente
a ausência
que o teu eu
me deixou

Outubro/2006

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Beijo Doce

A vida me deu um beijo
Vislumbre de mel tão doce
Que mel outro assim não há.

Oswaldo Pullen