quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Quem conta um conto...

O desafio era pegar o primeiro parágrafo e fazer uma "explosão" literária, sem se preocupar com o resultado, em no máximo 3000 caracteres. Eis o resultado:

Navalha

Um homem se levanta. Vai ao banheiro e se observa no espelho. Passa a espuma de barbear, pega sua navalha, mas não consegue se barbear.
A campainha toca, mas ele não se move. A campainha insiste e tudo o que ele faz é fechar a porta do banheiro.
Silas não sabe o que vê no espelho. – Quem sou eu? O homem que está me mirando ou o que a mulher do outro lado da porta quer que eu seja?
- Mas, se eu sou o que penso ser, o que farei agora? O que estou sendo hoje não era o que eu queria, ou deveria, ser...
- E o que o espelho mostra senão uma imagem reflexa e, portanto, distorcida do que eu sou? E já que sou uma imagem distorcida por que não ser a imagem que ela quer que eu seja? E por que não ser a imagem que todos querem que eu seja?
– Tenho de lembrar que sendo o que ela quer, poderei desfrutar daquele corpo que é tudo o que eu quero – pensa ele relembrando da noite maravilhosa.
- Quem serei agora?
Eram esses os pensamentos de Silas ao ouvir insistentemente a campainha da porta, que prosseguia cada vez mais agressiva.
Resolveu não fazer a barba. Não queria deixar de ser ele, até porque nem sabia quem era. Mas guardou a navalha no bolso. Já que não sabia quem era, nem onde estava, então não sabia o que esperar.
Ouviu que a mulher se levantava, reclamando:
- Quem tem coragem de me acordar desse jeito, numa hora dessas? morreu alguém? Espero que sim, pois senão vai ter morte agora.
E quando ela abre a porta fica sem voz:
Ela se vira e olha na direção do banheiro onde supostamente deveria estar seu marido e não entende como ele pode estar na porta com cara de quem não está entendendo nada.
É quando a porta do banheiro se abre e Silas se vê no vão da porta.
Fecha a porta do banheiro rapidamente decidido a acabar de vez com este sonho louco. Cerra os olhos, balança a cabeça e diz: - não, não, não!!!
Mas quando abre os olhos ele continua no mesmo banheiro, com os objetos que parecem seus, mas que não são...
Veste rapidamente a roupa e sai alarmado com os gritos que ouve.
- Você disse que ia comprar um cigarro, há mais de uma semana. Já te procurei em hospitais, necrotérios e te considerava morto, até ontem quando te encontrei, quer dizer encontrei ele – apontando Silas- bêbado naquele bar, e o trouxe para casa. E só agora tu aparece.
- Onde tu andava vagabundo? Com que piranha tu passou esses dias? Fala logo, senão eu vou te matar – e se jogou no marido para bater.
Foi quando Silas se dirigiu para porta tentando sair. Mas os dois pararam e se viraram para ele.
Desta vez foi a vez do marido: - E quem é esse vagabundo que você já colocou aqui dentro de casa, sua puta? Tu tá ficando louca é? Eu é que vou te matar e a ele também.
Silas sentiu o ar denso, pesado, colocou a mão no bolso e segurou a navalha; mas antes de fazer uso é interrompido pelo choro da mulher dizendo que achou que ele era seu marido, que estava muito bêbado e achou que ele tinha até perdido a memória. Disse ainda que não aconteceu nada, que eles só dormiram, e tudo porque ela pensava que ele era seu marido.
O marido esfriou um pouco e Silas aproveitou para ir embora. Mas o seu sósia foi mais rápido: empurrou a mulher e se jogou em cima dele.
Ainda ouviu o homem falar: - Quem é você que quer tomar o meu lugar? Como ousa fingir que sou eu? E depois destas palavras só se recorda de um murro em sua direção, o barulho de dentes quebrados e o gosto de sangue na boca...
Com esforço conseguiu se por em pé e aproveitou para sair correndo.
Quando chega à rua recorda que ontem perdeu seu emprego de professor, que não tem como pagar o aluguel e nem dinheiro algum, já que bebeu tudo à noite. Pensa na navalha no bolso. Pega ela decididamente, sorri para si mesmo e a joga no rio que corre à sua frente.
27/11/2007

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